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A Liderança e a síndrome do super-homem

Hoje vou analisar essa figura dos quadrinhos que habita o imaginário de, tenho certeza, parte dos homens da minha geração. Criado no final da década de 50 nos EUA e, obviamente para vender a imagem da América salvadora do mundo, o super-homem chegou às telas, ainda em p&b na televisão brasileira no início dos anos 60, e foi meu primeiro grande herói televisivo. Era fascinante assistir aquele meio homem, meio pássaro chegando ao local do crime (sempre antes do mesmo acontecer é claro) e, em dois ou três segundos, resolver toda a situação. Não sem antes dispensar alguns socos e empurrões nos bandidos e vilões. Bandidos que sempre vestiam, na época, paletó, gravata e chapéus alinhadíssimos. Ao postar-se de braços na cintura, à frente da tremulante bandeira americana, o homem de aço, já mandava seu recado pra todo mundo. Ninguém mais precisava se preocupar dali para a frente. Baixinhos e fraquinhos, donzelas e senhoras não corriam mais risco de serem molestadas. Ou se ocorresse algo assim, não tardaria o salvador da pátria chegar. Eram os americanos vendendo para ao mundo, a ideia de serem os guardiões da ordem e da justiça.

 

A necessidade de um salvador 

 

A partir dessa figura que encarnava a lei e a ordem e que fazia justiça com as próprias mãos, a população da imaginária Metrópolis dormia o sono dos justos. O mais engraçado, ou não, é que o super-homem, via de regra, causava mais estrago do que evitava. Senão vejamos. Ele nunca chegava ao local de um evento pelas vias normais. Não, afinal isso não teria graça. Por isso ele é o super-homem. Ele entra derrubando paredes, levantando carros ou dobrando portas de aço. Usa uma força descomunal para silenciar definitivamente o inimigo. Nunca pergunta nada a ninguém. Já sabe de tudo antes. Chega agindo e imobilizando um a um seus adversários. Aí, sem demonstrar um único sentimento sequer por aqueles a quem protegeu, dá um salto no ar e volta ao espaço para lugar desconhecido, para em seguida voltar disfarçado. Veja bem, volta à cena como um humano comum.


Sem abusar da sua paciência caro leitor, está na hora de trazermos essa figura para o tema central. A ideia americana de encarnar o salvador da pátria e de todas as pátrias continua em pleno vigor. Cada vez dando menos certo, já que o mundo vai entendendo que a guarda dos valores de cada cultura e sociedade, só pode estar em uma única mão. Nas mãos de seu próprio povo. Nas mãos de cada cidadão e de cada comunidade, que ainda se interessa em mantê-los vivos.


O super-homem, em suas histórias nos quadrinhos ou na telona, não torna melhor os seus protegidos, só os mantém vivos. Sobreviventes com a certeza de que se não fosse algo sobre humano e irreal, eles não poderiam resolver sozinhos seus problemas. O super-homem, a pretexto de salvá-los, configura neles a incapacidade de sobreviver e de criar soluções próprias. Os torna dependentes de algo irreal.


 


O que tem a ver a liderança com o super-homem


Agora duro mesmo é reverter a síndrome do super-homem na figura dos gestores e líderes da atualidade. Influenciados que ainda somos pela cultura americana, estamos aprendendo a duras penas que não há mais espaço para a liderança que age sozinha. Que usa a força para resolver as situações, que escolhe lados para defender. Que toma pra si exclusivamente o papel de condutor do enredo, roubando todas as cenas e mostrando o lado humano como fraco das pessoas. Por isso mesmo, merecedor de disfarces e amparo. Cada vez mais as organizações empresariais e mesmo as militares e eclesiásticas, procuram um papel novo para essa figura do gestor de pessoas.


 


E como parte desse processo, estamos tentando entender como se obtém resultados fazendo parte do “lado fraco”. Não tendo superpoderes e sendo obrigado a compartilhar lado a lado com outros humanos, ouvindo suas diferenças, seus desejos, suas necessidades. Talvez falemos tanto nesse tema, porque ainda estamos atrás de fórmulas irreais e fantásticas, que no fundo nos façam sentir protegidos. Mas a dura e única realidade é que o super-homem não virá. E como é bom que ele não venha! Pois só assim teremos a chance de crescer enquanto pessoas. Apenas sentindo o poder em nossas próprias mãos é que nos encorajaremos a caminhar mais, a crescer e a descobrir coisas únicas, e também fantásticas que temos dentro de nós. Ao descobrir que somos líderes naturais, que precisamos ser líderes das nossas vidas, das nossas escolhas mais profundas, traremos para nossas mãos a responsabilidade sobre as  consequências das nossas ações. Assim como também sobre aquilo que fazemos e que afeta o outro à nossa volta. Ah, o super-homem não virá!

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Querem fazer crer que você é fraco

 

Agora o mais intrigante de tudo é que o único disfarce do homem de aço se resume em um simples óculos comum. São óculos “ao contrário”, pois são óculos para os outros enxergarem. Todos queriam ver um homem comum e por isso fraco e sem nenhuma das qualidades e poderes do herói. E assim o vendo, agiam com ele como com outro qualquer. Só que na verdade, todos os superpoderes estavam ali presentes, toda a forma, toda a altura, toda a plástica era absolutamente a mesma. Mas ninguém queria ver isso.

 

Cada ser humano vive hoje em complexas conexões, estimulado pelas mais diversas informações que chegam em doses cavalares pelas variadas portas tecnológicas.  As exigências de entrega em todos os papéis (seja de pai, mãe, funcionário, gerente, empresário) é imensamente maior se comparada a poucas décadas atrás. E talvez por isso ou pelas novas necessidades do contexto, as pessoas parecem ter “acordado” e estão buscando ser mais criativas, mais influentes, mais atuantes, mais poderosas.

 

Alguns, finalmente já entenderam que o verdadeiro poder está em suas mãos e não em mãos alheias. Já entenderam que não precisam mais de salvadores da pátria. Entenderam e não querem mais isso.

 

Só que tudo isso ainda não é fato para a maioria e tenho cá comigo algumas conjecturas a respeito. A primeira delas, do porquê não temos ainda a mudança como gostaríamos nessa nova relação do homem com o trabalho nas empresas ou do líder junto às equipes. Penso que parte de nós, ainda sonha pela chegada do super-homem.Parte da nossa sociedade, ainda acredita que um salvador da pátria virá para nos livrar de todos os problemas. Para trazer a justiça e fazer valer a lei. E acreditam porque é mais fácil acreditar nisso do que assumir a própria responsabilidade por tudo que está à nossa volta.

 

Reclama-se muito, mas no fundo é bom ter um “chefe” em quem se possa depositar nossos fracassos e nossas incapacidades. Afinal, se der errado, foi ele quem mandou fazer.

 

Ainda continuamos personificando o lado humano como fraco e criando disfarces pífios para ele; quando na verdade esse lado é que nos torna fortes. Até porque a ideia de invencibilidade é apenas uma ficção. Ainda precisamos errar para progredir. Precisamos ser capazes de sentir as mesmas dores que outros sentem e de nos colocarmos nos lugares deles e ver as coisas pelo mesmo plano. Capazes enfim de lidar com nossos medos, e coragem para escolher o que realmente importa. O que de fsto nos torna melhores e mais felizes.

 

Precisamos aprender a sentir a verdadeira alegria quando vencemos a nós mesmos. Quando nos superamos diante de obstáculos pessoais que pareciam intransponíveis.No mundo de hoje não cabe mais a figura do herói de aço, nem na sociedade humana, nem na política e nem nas empresas. Por isso, o exercício da liderança em qualquer um desses setores, deve passar pela releitura cultural antes da pragmática.Cada pessoa precisa se perguntar se quer ser um verdadeiro super-herói. Mas um super-herói que não usa capa, nem espada e nem disfarces medíocres.

 

Não são os diplomas de MBA que darão superpoderes aos dignitários ao cargo, mas sim suas capacidades humanas. As mesmas capacidades humanas consideradas “fracas” até então.Precisamos reconstruir vínculos relacionais com as pessoas à nossa volta, com as sociedades que vivemos, com nossos vizinhos estrangeiros. Mas precisamos antes de tudo, reconstruir vínculos conosco mesmo e com nossas origens.Que bom que o super-homem não venha.